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A mostrar mensagens de setembro, 2004

a minha rua

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(rua de lisboa) Mudou muito a minha rua Quando o outono chegou Deixou de se ver a lua Todo o transito parou Muitas portas estão fechadas Já ninguém entra por elas Não há roupas penduradas Nem há cravos nas janelas Não há marujos na esquina De manhã não há mercado Nunca mais vi a varina A namorar com o soldado O padeiro foi-se embora Foi-se embora o professor Na rua só passa agora O abade e o doutor O homem do realejo Nunca mais por lá passou O Tejo já não o vejo Um grande prédio o tapou O relógio da estação Marca as horas em atraso E o menino do pião Anda a brincar ao acaso A livraria fechou A tasca tem outro dono A minha rua mudou Quando chegou o outono Há quem diga "ainda bem", Está muito mais sossegada' Não se vê quase ninguém E não se ouve quase nada Eu vou-lhes dando razão Que lhes faça bom proveito E só espero pelo verão P'ra pôr a rua a meu jeito Manuela de Freitas

a luz de lisboa (claridade)

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(manuela de freitas) Quando Lisboa escurece E devagar adormece Acorda a luz que me guia Olho a cidade e parece Que é de tarde que amanhece Que em Lisboa é sempre dia Cidade sobrevivente de um futuro sempre ausente de um passado agreste e mudo Quanto mais te enches de gente Mais te tornas transparente Mais te redimes de tudo Acordas-me adormecendo E dos Sonhos que vais tendo Faço a minha realidade E é de noite que eu acendo A luz do dia que aprendo Com a tua claridade Manuela de Freitas

primavera

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(david mourão-ferreira) Todo o amor que nos prendera Como se fora de cera Se quebrava e desfazia Ai funesta primavera Quem me dera, quem nos dera Ter morrido nesse dia E condenaram-me a tanto Viver comigo meu pranto Viver, viver e sem ti Vivendo sem no entanto Eu me esquecer desse encanto Que nesse dia perdi Pão duro da solidão É somente o que nos dão O que nos dão a comer Que importa que o coração Diga que sim ou que não Se continua a viver Todo o amor que nos prendera Se quebrara e desfizera Em pavor se convertia Ninguém fale em primavera Quem me dera, quem nos dera Ter morrido nesse dia david mourão-ferreira

lágrima

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(amália rodrigues) Cheia de penas me deito E com mais penas me levanto Já me ficou no meu peito O jeito de te querer tanto Tenho por meu desespero Dentro de mim o castigo Eu digo que não te quero E de noite sonho contigo Se considero que um dia hei-de morrer No desespero que tenho de te não ver Estendo o meu xaile no chão E deixo-me adormecer Se eu soubesse que morrendo Tu me havias de chorar Por uma lágrima tua Que alegria me deixaria matar amália rodrigues

Caravelas

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Florbela Espanca Cheguei a meio da vida já cansada De tanto caminhar, já me perdi Dum estranho país que nunca vi Sou neste mundo imenso a exilada. Tanto tenho aprendido e não sei nada. E as torres de marfim que construi Em trágica loucura as destrui Por minhas próprias mãos de malfadada! Se eu sempre fui assim este mar morto Mar sem marés, sem vagas e sem porto Onde velas de sonhos se rasgaram! Caravelas doiradas a bailar... Ai quem me dera as que eu deitei ao mar As que eu lancei à vida, e não voltaram... Florbela Espanca

Meu Corpo

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Ary dos Santos Meu corpo É um barco sem ter porto Tempestade no mar morto, sem ti. Teu corpo É apenas um deserto Quando não me encontro perto, de ti. Meus olhos São as lágrimas do Tejo Onde fico e me revejo, sem ti. Quem parte de tão perto nunca leva As saudades da partida e as amarras de quem sofre. Quem fica é que se lembra toda a vida Da saudade de quem parte e dos olhos de quem morre. Não sei Se o orgulho da tristeza Nos dói mais do que a pobreza, não sei. Mas sei Que estou para sempre presa Á ternura sem defesa, que eu dei. Sozinha Numa casa que é só minha Espero o teu corpo que eu tinha, só meu. Se ouvires O chorar de uma criança Ou o grito da vingança, sou eu. Sou eu De cabelo solto ao vento Com olhar e pensamento, no teu. Sou eu Na raiz do pensamento Contra ti e contra o tempo, sou eu. Ary dos Santos